Havia pouquíssimo tempo como esse, um raro momento em que eu estava com o dia completamente livre. Eu tinha visitado minha mãe pela manhã, cogitei passar o restante do dia com ela, mas ela entenderia que eu ainda tinha as minhas responsabilidades a cumprir, e por mais que os treinamentos não fosse nenhuma demanda obrigatória, eram necessários. Na verdade, já tem algum tempo que não vejo Keitaro, isso certamente me entristece, esses sentimentos, de saudade e desejo, só ficavam apaziguados pela preocupação com Hina.

Me retirei para os arredores do vilarejo, um pequeno relevo montanhoso que tinha próximo a entrada do vilarejo, que normalmente permanecia vazio. Eu teria lido em algum lugar a cerca de um treinamento especial para os sentidos, segundo ele, com a concentração necessária era possível se guiar pelo vento, escutá-lo e assim ser capaz de cortá-lo.

Talvez eu estivesse apenas desperdiçando meu tempo, mas de alguma maneira aquilo era o tipo de treinamento esquisito que eu acreditava ser desafiador o suficiente. Normalmente usaria meu bastão para isso, mas eu o tinha deixado em casa e acabei por trazer minha espada no lugar, o que tornava tudo um quanto mais perigoso, visto que ainda não possuía o domínio sequer mínimo para manejá-lo.

Bom, esse era o local perfeito, me posicionei em pé, ereto, encostando os calcanhares um no outro, segurei firme a espada pela ponta de seu cabo, admito que mesmo com todo o domínio do bastão, não tinha confiança alguma em segurar uma arma tão afiada, muito menos de balançá-la de forma tão inesperada.

Fechei meus olhos, acalmando e controlando minha respiração, rapidamente eu podia sentir o vento tocando o meu corpo, mas os sons dos meus pensamentos ainda eram mais audíveis do que o som do vento. Tentei substituir meus pensamentos com minha respiração, contando-as, o que logo se tornou funcional. Novamente senti o vento atravessar meu rosto, mas dessa vez era quase como se eu soubesse que aquilo fosse acontecer.

Senti uma nova corrente de ar na minha direção, movi o tronco do meu corpo rapidamente realizando um corte com minha token, como se fosse capaz de partir o ar em dois e senti-lo em ambos os lados do meu rosto. Aquele pequeno doce de vitória, ilusório, talvez eu não tivesse feito nada significante, mas eu sentia que sim.

Retomei minha concentração, novamente contando minha respiração, sentindo o vento.. não, ouvindo-o, mesmo que minimamente, o som das folhas voando, da grama se movendo, como se tudo indicasse precisamente a direção das correntes de vento, me permitindo realizar novos cortes, lentos, mas preciso. Talvez aquilo não me levasse a nada, mas após algumas repetições, os movimentos se tornavam mais intuitivos, e logo as horas foram se passando sem que somente fosse perceptível.

Considerações:

Não importava o quão rotineiro fosse, a sensação nunca mudava, sempre desconfortável, como se algo estivesse incompleto, um incomodo que se estendia por toda a manhã. A água fria era minha aliada, no exato momento em que meu corpo se chocava com ela tudo parecia despertar, por um segundo o folego se esgotava fazendo tudo parecer tão gélido e vazio até não parecer mais, apenas restava uma sensação de frio constante que me fazia tremer os dentes, sinceramente eu odiava aquele momento e só esperava que no próximo dia ele não fosse tão desprezível quanto.

Normalmente após o banho apenas me visto normalmente, esquento um chá quente e como com algumas torradas acompanhadas de algumas frutas, em quantidade até que exagerada para que me permita uma longa manhã sem sequer cogitar a sensação de fome. Em seguida costumo ir visitar Hina, sempre passando pela floricultura próxima ao hospital para repor as margaridas, mas hoje em específico eu me sentia indisposto, preferiria seguir direto ao meu treinamento, seriam apenas algumas horas de diferença... ela ficaria bem.

Uma vez que havia decidido ir até o meu treinamento, não realizei nenhuma cerimonia necessária, dessa vez garantindo que o bastão estivesse em minhas costas. Saltei rumo ao telhado, encarando o céu por um segundo, abandonando olhos azuis quanto a imagem que observava para que assumissem a forma carmesim. No momento da ativação as diferenças já eram notórias, pássaros, pequenas nuvens e até mesmo insetos agora pareciam claros na minha visão, não havia motivo para usar aquele poder, mas era como um pequeno treino de costume. Atravessei os telhados rapidamente, realizando longos saltos e cambalhotas, apenas como aquecimento para quando chegasse ao local.

Admito, sempre tive preferência pelos locais mais afastados do vilarejo, mas dessa vez senti a necessidade de um companheiro, nesse caso, um saco de bancada — boneco de madeira —. Há algum tempo eu havia notado que o domínio de bastão não era suficiente sozinho, os pilhares para um golpe consistente sempre giraram em torno de precisão, pressão e força, e por mais que minha precisão e pressão fosse suficiente, a força talvez nem tanto.

O bastão era uma ferramenta um quanto simples, existem formas variadas e até mesmo criativa de manejá-lo, mas normalmente os usuários mais avançados apenas o girava, em alta velocidade, alternando entre as próprias mãos, daquela forma era possível aplicar pressão aos golpes do bastão e então, subitamente interrompendo o movimento, o direcionava em cheio ao inimigo, na altura de seu tronco. Era um golpe marcante, mas qualquer um que estivesse assistindo aquilo, notaria que ele estava incompleto.

Repeti o movimento por cerca de duas horas, até a notória observação de que minha experiência era um quanto frustrante. Poderia passar o restante do meu dia ali e mesmo assim não seria suficiente, na verdade até conseguiria tirar um proveito daquele treinamento, mas não como gostaria.

— São golpes interessantes, mas eu recomendaria você incliná-los um pouco mais para cima. — sugeriu um ninja visivelmente mais experiente, já possuía porte de adulto e suas vestes remediam as de um ninja superior. Assim como sugerido, girei meu corpo rapidamente, movendo o bastão junto e direcionando um golpe um pouco acima dos anteriores — Melhor? — respondi. O homem deu um sorriso levemente inclinado, acenando a cabeça em confirmação, puxando o cigarro que já carregava para mais uma tragada. — Não sou de me meter nessas coisas... mas seus golpes já estão bons, mas você não é nenhum ninja experiente, não seria melhor alguns treinos mais desafiadores? — dizia enquanto jogava um pouco da fumaça para fora. — Na minha cabeça seria mais desafiador, por melhor que seja os movimentos, ainda não parecem fortes o suficiente. —— respondia, realizando mais uma sequência de golpe demonstrativa.

O cigarro em sua mão acendeu em chamas até ser desintegrado, como se simplesmente quisesse se livrar do objeto, em seguida o homem se agachou, levantando a bainha de sua calça até a altura do joelho, revelando umas estruturas de peso que carregava em seus pés, desprendeu o nó que as segurava, imediatamente o peso despencou para os lados, afundando o chão com um leve estrondo, levantando um pouco de poeira. — Acredito que será desafiador o suficiente com isso, não acha? — perguntou. Eu não o respondi, apenas me inclinei em direção ao primeiro peso e tentei levantá-lo, mesmo com as duas mãos o peso era notável, talvez para a altura da perna ainda fosse possível carregá-lo, mas no braço parecia uma missão impossível. Me agachei, posicionando o peso acima do calcanhar, mas quando me preparava para amarrá-lo. — Não é possível que você seja tão estupido. Você não quer melhorar a força de seus golpes? Que eu saiba você ainda não aprendeu a controlar um bastão utilizando os próprios pés. Sai pra lá, deixa que eu os coloco. — resmungava, se agachando e pegando o peso que ainda restava no chão com tamanha facilidade, prendendo-o na parte superior do meu braço. Entreguei o outro peso em sua mão, e rapidamente ele o colocou na mesma posição, mas dessa vez em meu braço esquerdo.

Ele se afastou e nos poucos segundos que ambos os pesos estavam em meu braço eu senti uma dor tremenda, controlando toda respiração e transformando os gritos em pequenos grunhidos. Segurei o bastão mais firme que nunca, erguendo-o acima da minha cabeça, tentando manter a posição o máximo que possível, queria criar o mínimo de costume possível com os pesos, aos poucos fui corrigindo a postura, criando uma base solida com meu corpo, girei os punhos, alinhando o bastão e sem muita cerimônia direcionei um golpe no ombro do boneco. Os golpes anteriores tinham deixado algumas marcas, mas aquele havia criado um pequeno fundo na região, não contive um pequeno sorriso em meio a ofegante respiração, um sentimento que só significava uma única coisa: agora sim.

— Continue. — ordenou friamente, sentando-se na terra e acendendo mais um cigarro. Girei levemente a sola do meu pé, criando um pequeno risco no chão, dessa vez tentei um movimento ainda mais desafiador que o anterior, jogando o bastão por de trás e o recebendo com a mão de menor domínio, direcionando um golpe agora na altura do pescoço do boneco. Por mais que o resultado fosse inferior, ainda era possível notar o esforço para aquela execução.

Não prolonguei na comemoração dessa vez, segurando o bastão com ambas as mãos e o girando novamente acima da minha cabeça, dessa vez estendi a duração do giro mais do que o comum, queria manter o movimento indiferente a dor e a mobilidade reduzida dos meus braços, criando mais e mais pressão que fosse possível até o momento perfeito. Em um movimento rápido, direcionei com tudo contra a cabeça do boneco. Um pequeno rasto de poeira se levantou com a força do golpe, afundando ainda mais o boneco na terra, mesmo que poucos centímetros.

— Essa foi boa. Já cansou? — perguntava em meio a mais um trago. Novamente, apenas discordei com a cabeça, me preparando para mais um golpe.

Considerações:

— Basta garoto. Um bom treino sempre é acompanhado de um bom descanso. — dizia o ninja, realizando mais uma vez seu truque barato com o cigarro em suas mãos. Eu havia o ignorado, continuando os movimentos, que já pareciam bem mais leves que antes, no entanto, subitamente, sua mão me impediu de mais um movimento — Como eu disse, basta. — exclamou novamente, em tom sério, me forçando a acatá-lo.

Talvez já estivesse ficado um pouco tarde para notar que o sol já estava se pondo, meu corpo estava enxarcado de suor que nem mesmo o forte frio do inverno era capaz de conter, aquele momento também me trouxe uma suspeita que simplesmente escapou pela boca — Afinal... quem é você? — dizia o encarando, me jogando ao chão pelo cansaço, o peso ainda estava lá, mas eu simplesmente não queria retirá-lo, eu podia continuar, eu ainda aguentava.

— Me chamo Kira. Sei que talvez tenha despertado algum interesse, mas não sou nada especial, sou apenas um jounin que as vezes gosta de acompanhar como o futuro de Kumo anda se saindo. — suas palavras pareciam tão vazias quanto sua voz, algo me dizia que era mentira, mas era, de alguma forma, impossível contrariar.

— Normalmente não prolongo meus ensinamentos assim, mas hoje você retornará para casa com os pesos, só iremos transferir eles para seus pés, tente passear um pouco pela casa antes de dormir. E esteja aqui amanhã, logo após o sol nascer. — concluía Kira, tirando os pesos amarrotados em meus braços e os transferindo para baixo da minha panturrilha, no fim apenas deu um pequeno aceno e desapareceu da minha frente.

Já era noite quando finalmente me levantei daquele chão tão gélido quanto a água pela manhã, meus braços pareciam extremamente leves, mas minhas pernas sequer eram capazes de mover um passo adiante, eu estava verdadeiramente cansado, a exaustão que vinha após os minutos de descanso, no momento em que a adrenalina havia deixado meu corpo, era como se todo meu combustível tivesse acabado, mesmo assim por mais difícil que fosse ergui o pé, dando um passo para frente, após o primeiro só foi necessário repeti-lo algumas centenas de vezes até o repouso da minha própria casa, que diferente do recomendado, após minha chegada apenas me joguei em minha cama e fechei os olhos.

— Hina! — acordei ainda de madrugada, eu havia esquecido dela no dia anterior, em meio ao treino extenso e a chegada de Kira, foi quase como se... tivesse sido um dia normal. Por mais que o peso em meu peito fosse maior do que o amarrado em minhas pernas, eu não podia me permitir sentir aquilo naquele momento, eu poderia compensá-la depois, ela estava bem — pelo menos queria acreditar nessa ideia.

Realizei a mesma rotina cotidiana, dessa vez com o peso sendo uma parte ainda mais problemática da minha manhã. Mas, já conseguia sentir um pouco certo de costume, por conta disso resolvi que retornaria ao campo numa corrida, dessa vez pela estrada. Por melhor que fosse minha tentativa, eu já havia me atrasado mais que o esperado, no entanto ao chegar no de treinamento Kira não estava lá, o procurei brevemente e por fim apenas me sentei em meio ao chão terroso, pelo teria algum mínimo de descanso.

— Não lembro de permitir descansos. — anunciava sua chegada, trazendo consigo o cheiro fétido do seu cigarro logo cedo — Não lembro de seguir ordens suas. — retruquei e admito que por alguns segundos eu realmente acreditei que era uma boa resposta — Garoto, você usou um peso em seus pés a noite toda, dormiu com eles e ainda chegou aqui em um horário marcado por mim onde eu sequer obedeci... acredito que você siga sim minhas ordens. — por mais que eu tentasse, não conseguia pensar em nenhuma resposta tão cedo, então apenas ignorei e me levantei.

— Vamos direto ao ponto. Eu e você iremos travar um pequeno duelo. Pode não parecer, mas você tem uma vantagem ao seu lado, como tirou seus pesos ontem, seu braço já está menos dolorido, mas leves como uma pluma e, agora, ao retirar o peso dos seus pés, estará ágil quanto um felino, veremos do que você é capaz criança. — explicava Kira, jogando o cigarro fora que mais uma vez se despedaçou no ar.

Retirei todos os pesos que antes me restringia, sentindo imediatamente uma leveza por todo meu corpo, dei alguns saltinhos de um lado para o outro, como se estivesse me aquecendo, Kira me encarava, trazendo um novo cigarro a boca e o acendendo, era de fato um viciado, mas aquilo só seria um peso a ele.

O primeiro movimento partiu de mim, avançando rapidamente com um simples soco tentando atravessar o abdômen de Kira, que foi facilmente evitado pelo ninja apenas girando o eixo do seu tronco, respondi rapidamente a esquiva com um chute de baixo para cima, mirando em seu queixo, mas novamente o ninja apenas deu um rápido salto para trás — Acho que me enganei. Você não será capaz. — era possível sentir o tédio em sua fala, como se soubesse que nada que eu fizesse fosse capaz de atingi-lo.

Eu posso, eu consigo.

Me afastei, observando-o por alguns instantes, era notório que ele não estava atacando, apenas evitando e isso talvez pudesse ser usado contra ele. Avancei novamente, dessa vez simulando novamente um soco na altura do seu abdômen, como esperado ele apenas girou o eixo do seu corpo, evitando-o, aproveitei-me do momento para tentar uma rasteira, enquanto buscava atravessá-lo para suas costas, esperando mais uma vez que ele tentasse evitar o ataque, assim ele fez, saltando por cima da rasteira, nesse momento aproveitei a vantagem de visão para jogar todo o meu corpo para cima de Kira, concentrando meu golpe em uma cotovelada.

Senti o meu cotovelo se chocar contra a carne humana, naquele segundo achei que tinha o atingido em cheio, mas logo notei que não, Kira havia usado o próprio joelho para evitar que o golpe lhe atingisse, seu rosto esbanjava um sorriso que ecoava minha incompetência — É melhor você voltar aos seus treinos comuns. — dizia com certo desdém.

Suas palavras pareciam despertar algo em meu interior, é como se meu corpo todo ardesse em chama a partir daquele momento, eu nunca havia pedido isso, por qual motivo ele estava tão convencido? Era um ninja tão incompetente para que gastasse seu tempo livre menosprezando ninjas inferiores? Naquele instante meu corpo não parecia mais responder os meus pensamentos, apenas se movia livremente, quase que automático, respondendo unicamente a minha vontade de acertá-lo.

Saquei o bastão e realizei uma sequência de movimentos interruptos, ataque após ataque, todos evitados ou bloqueados facilmente por Kira, mas a cada erro uma nova tentativa surgia, levemente mais rápida que a anterior, meus olhos encaravam os do ninja, que em nenhum momento parecia demostrar surpresa, mantinham-se apáticos e entediados mesmo com os meus ataques enfurecidos.

Não sei de onde aquilo surgiu, mas aquela chama pouco a pouco foi preenchendo cada parte do meu corpo, até arder em minha visão, o que outrora era azul como o mar tornou-se vermelho com a lava. Seu rosto antes apático agora resplandeceu em um sorriso convencido, era quase como se esperasse por aquilo, mas agora meus olhos não acompanhavam apenas sua expressão, seus movimentos pareciam mais previsíveis que anteriormente, e agora meus golpes pareciam lhe trazer um pouco de dificuldade.

Aproveitei o momento, mantendo o ritmo de golpes frenéticos que o impediam de tomar alguma distância, tentando antecipar seus movimentos, aquele pequeno espaço de tempo me daria uma oportunidade, talvez a única, girei o bastão em minha mão, ele já havia visto aquele golpes algumas vezes no dia anterior e fiz questão de executa-lo exatamente da mesma forma, em seus padrões de movimento ele estava bloqueando o bastão com sua própria força, aproveitei-me do momento em que resistiu ao bastão, usando de sua força para impulsionar meu corpo para cima, dobrando meus joelhos para gerar um pequeno impulso e então o estendendo novamente em chute diretamente em seu rosto.

A sensação de vitória preencheu meu corpo, naquele pequeno instante minha confiança parecia inabalável, processei o acontecido rapidamente, pronto para retrucar todas as alfinetadas anteriormente proferidas, mas antes que saíssem, fui obrigado a engolir minhas palavras, recebendo um golpe em cheio. — Um por um. — falou Kira.

Seu golpe foi intenso o suficiente ao ponto de me arremessar para longe, um único soco suficiente para que me fizesse sentir o gosto de ferro provindo do sangue em minha boca, o cuspia numa tentativa falha de me livrar daquela sensação, vi uma sombra sobrepujar a minha, inclinando o rosto na mesma direção. — É o suficiente por hoje, Sariel. — naquele momento, notei que ela a primeira vez que ele havia me chamado pelo nome, ao mesmo instante que meu corpo foi se tornando mais pesado, como se estivesse alcançado seus próprios limites, recordei-me de que anteriormente não tinha me apresentado... como ele sabia meu nome? — foi a última questão em meus pensamentos antes de desmaiar.

Considerações:

O inverno parecia ainda mais gélido naquela manhã. Tinha deixado os aposentos de Hina poucos minutos atrás, e agora, pelo lado de fora, verificava se a janela de seu quarto estava fechada, confirmando que sim. Enquanto minha visão ainda estava voltava para o alto, senti o pouso de um pequeno pombo em meu ombro, carregando uma mensagem em seus pés. Era de Kira, me convocando ao centro de treinamento ainda naquela manhã.

Longos dias já tinham passado desde nosso último contato, quando Kira revelou saber minha identidade e me deixou nos cuidados do hospital de Kumo. Mesmo assim, era inegável que seu estilo de treino, por mais rigoroso que fosse, tinha demostrado resultados além do esperado. Não podia desperdiçar a oportunidade de confrontá-lo também, acatando seu convite imediatamente, me dirigindo ao centro de treinamento.

Kira devia imaginar que eu não recusaria o convite, pois já estava me aguardando quando cheguei ao local. — Viu? Você não teria coragem de me desobedecer. — alfinetou com sua voz apática, dando uma tragada no cigarro que sempre lhe acompanhava. — Não me trate como idiota. Estamos em guerra, se um superior se oferecesse para me ensinar qualquer coisa, por mais boba que fosse, eu aceitaria. — respondi sério.

Não tínhamos passado tanto tempo junto, por conta disso aquela era a primeira vez que Kira demostrava uma expressão diferente, deixando um pequeno sorriso de canto de boca escapar — É, tem isso né? Guerra... — respondeu, fingindo não se importar, mas era claro que se importava. — Antes... como sabia meu nome? — confrontei. — Eu li sua ficha na noite anterior. Não investiria meu tempo em qualquer um, garoto. — respondeu.

Eu havia cogitado aquela alternativa anteriormente, por conta disso facilmente engoli a desculpa, não retornando o assunto. Kira estava jogado ao chão em minha chegada, levantando-se em meio ao diálogo — Sem taijutsus ou uso corporal hoje. Você já domina bem essas artes, por mais que ainda tenha alguns pontos a melhorar. Hoje você vai demostrar seu potencial com ninjutsu... afinal, você já despertou sua afinidade? — perguntou. — Hm, não era bem o que estava esperando, mas serve. Sim, eu tenho afinidade com Katon. — respondi, manipulando uma pequena chama acima do dedo indicador.

Kira teceu alguns selos de mão, tão rapidamente que meus olhos não foram capazes de acompanhar, ao fim tocou o chão, a superfície tremeu, erguendo cerca de cinco paredes de pedra em direções diferente — Deve ser o suficiente. — concluiu. Novamente os selos de mão foram formados, em um ritmo muito inferior, sendo possível acompanhá-lo. De sua boca uma massiva bola de fogo avançou contra uma das paredes, que por mais resistente que fosse, estava claramente em ruína após o ataque — Você aprenderá essa técnica hoje. — concluiu.

— Existem cinco conceitos básicos que você deve entender para o uso dessa técnica. O primeiro é o primórdio de todas as técnicas, os selos de mão necessário. O segundo é o controle do fluxo de chakra. O terceiro é a quantidade de chakra utilizado. O quarto o equilíbrio entre os elementos. E o quinto o resultado almejado. Essa é uma técnica com um efeito variado, quando o usuário não consegue aplicar esses cinco conceitos, sem a possibilidade de ignorar nenhum deles, poderá lançar chamas massivas em descontrole ou simplesmente só será capaz de lançar uma chama tão pequena quanto a de um isqueiro. Vamos, me acompanhe. — sua explicação terminava me direcionando a uma parede diferente da que outrora ele havia utilizado.

Novamente Kira teceu os selos de mão necessário, dessa vez em um ritmo tão lento quanto dos professores de academia, eu o segui passo-a-passo, revisando cada um dos conceitos apresentado. Primeiro os selos, segundo o fluxo de chakra contínuo, terceiro a quantidade, quarto o equilíbrio e quinto o resultado. Por mais que ninjutsu não fosse uma arte dominada, eu provavelmente dominava mais do que um ninja do meu nível era capaz quando o assunto era controle sobre meu chakra, por conta disso ao fim dos selos de mão fechei os olhos guiando meu fluxo por todos os pontos de chakra em meu corpo, aumentando pouco-a-pouco a quantidade de chakra utilizado para a formação da técnica, almejando o equilíbrio contínuo entre o fluxo e a quantidade, a visualização do resultado era clara em minha mente, uma chama tão massiva quanto a que Kira outrora tinha feito. Abri os olhos, expelindo todo o meu esforço, que se manifestou na forma de uma pequena bola de fogo de tamanho igual ou menor a de uma bola de gude, incapaz de sequer alcançar a parede de pedra sem que se desfizesse por inteira.

— Fluxo lento, pouca quantidade. Mais uma vez. — repreendeu Kira. Absorvi suas palavras, mais uma vez repetindo os selos de mão necessário, dessa vez sem que o ninja me acompanhasse. — Pare. Você errou um. Repita. — repreendeu mais uma vez, acendendo outro cigarro. Respirei fundo, repetindo os selos necessário, garantindo que não tivesse esquecido nenhum que fosse necessário. Fechei os olhos mais uma vez durante o processo, controlando o fluxo do meu chakra de forma que alcançasse os pontos necessário muito mais rápido do que antes, aumentando a quantidade embutida em meio ao processo, mais uma vez almejei o único resultado que tinha como exemplo, expelindo o fogo por entre minha boca novamente.

A chama agora tinha crescido de tamanho, mas não estava desenhada em forma de uma bola, mas sim como um lança chama que não durou muito, ainda não parecia haver um poder de fogo grandioso, pouco afetando a parede em minha frente, deixando pouquíssimas marcas de queimadura. — Ainda não é suficiente. Mantenha a velocidade do fluxo, mas acrescente mais chakra. Amassar, mesclar e moldar. É simples, Sariel. Foco. — seu jeito apático era capaz de facilmente me tirar do sério, mas não me importei o suficiente, ignorando sua alfinetada e me focando somente no que era aprendizado.

Os selos já estavam praticamente memorizados, sendo a parte fácil do uso da técnica. Novamente com os olhos fechado, meu fluxo percorreu meu corpo rapidamente, recebendo a cada ponto uma nova quantidade de chakra, o resultado, por mais que fosse o mesmo, agora era visualizado mais detalhadamente, a imagem de uma bola massiva de puro fogo capaz de destruir tudo a frente. Abri os olhos mais uma vez, trazendo à tona a íris carmesim de forma espontânea, vislumbrando com facilidade uma bola de fogo até mesmo maior do que a de Kira. Pelo curto caminho que avançou, queimou-se o chão, atirando-se contra a parede e sendo capaz de destruir metade dela.

— É isso. Você conseguiu. Recomendo moderar um pouco na quantidade de chakra utilizado e claro, essa só foi a primeira tentativa bem-sucedida, até que você consiga manter um padrão em sua própria técnica, ela ainda não estará dominada. — concluía Kira, quase como se quisesse tirar alguma risada daquele momento, ele sabia que eu estava confiante com o feito e, que por conta disso, eu já estava começando a sentir o desgaste do uso constante do meu chakra, mas eu não esperava diferente, se fosse necessário, só deixaria aquele campo novamente desmaiado.

Continua.

Considerações:

Notei a concentração de chakra que se reunia em meus olhos, interrompendo o fluxo em seu caminho, retornando à coloração azulada de sempre. Ainda não havia me acostumado com aquela sensação, esse poder que por mais útil que fosse, não me parecia tão comum. Perdido no desvaneio dos meus pensamentos, pude sentir a palma leve de Kira me atingir na parte de trás do meu cabelo, como se tentasse me trazer de volta. — Perdão... precisei de um descanso. — menti, por mais que uma pausa não tivesse me feito nenhum mal.

Descansei novamente minhas pálpebras, respirando fundo antes de começar. O primeiro passo fora a realização dos selos de mãos, amassando meu chakra e então o liberando através do meu sistema circulatório em alto fluxo, naquela vez era como se sentisse o chakra chegar na ponta da minha boca e ser expelido em alto calor pela frente, mas diferentemente como antes, não havia moldado o ataque em uma enorme bola de fogo, mas sim em um lança chama massivo a frente, danificando a estrutura de mais um dos muros de pedra.

— Nenhum passo pode ser ignorado, lembre-se. — dizia Kira, aproveitando que algum tempo já havia passado para utilizar da parede quebrada como um banquinho para assistir a próxima performance. Repeti os selos, dessa vez tomando para dentro de mim o ar, me concentrei na imagem da bola de fogo massiva, moldando o chakra naquela mesma forma, no entanto me perdendo nos demais passos. Expeli a bola de fogo, conseguindo, naquela vez, formar uma bola de fogo, no entanto essa era menor, não como a do início do treinamento, mas uma versão em miniatura da técnica original.

Era notável que a quantidade de chakra utilizada para aquele treinamento aos poucos estava me esgotando. Kira se levantou, me entregando o que parecia uma pílula azul — Três tentativas, é o que resta para você após essa pílula. Se você conseguir acertar as três, iremos nos encontrar novamente, para um treinamento da sua escolha. —. Tomei a pílula em minhas mãos, a engolindo sem sequer retrucar.

Três chances restante. Kira entendia a valorização que eu dava aquele momento, meu esforço era um reflexo direto aos seus ensinamentos. Fechei meus olhos uma última vez, estava decidido que conseguindo ou não, o próximo não seria utilizando de toda minha concentração possível. Os selos de mão foram desenhados, permitindo que o fluxo de chakra se espalhasse por todo o meu corpo, ao mesmo tempo em que liberava as reservas de chakra moderadamente para a formação da técnica.

O fogo avançou pela frente destroçando o terreno no caminho, atingindo a parede outrora danificada, a deixando em destroços. Por mais que parecesse um ataque descontrolado, aquela havia sido a forma mais semelhante a demonstração de Kira. Olhei para o lado, buscando alguma confirmação em seu rosto. — Ainda restam duas tentativas. — respondeu ao meu olhar.

Agora, de olhos abertos, realizou mais uma tentativa, repetindo o passo-a-passo anterior, no entanto, na hora de liberar o chakra, moldou em um lança chama como anteriormente já teria feito algumas vezes. Não esperava nenhuma repreensão de Kira, entendia, naquela altura, que aquela forma de utilizar a técnica não estava errada, Kira nunca havia o repreendido por aquele uso, somente quando a usou enfraquecida.

— Última tentativa. — respondeu.

Não tinha restado nenhuma parede de pedra para a demonstração do ataque, mesmo assim forjei os selos necessários, dessa vez era como se o passo-a-passo estivesse ficando cada vez mais automático, eu não me preocupava com cada um dos cinco conceitos aprendidos, apenas almejava um resultado e realizava a mesma sequência de sempre, sentindo todo meu corpo arder em chakra, liberei uma última vez, arremessando-a em direção a Kira.

Sem a necessidade de selo, uma nova parede terra surgiu em sua frente, facilmente detendo o fogo — Você se saiu bem, garoto. — se despediu, deixando o campo de batalha rapidamente. Meu corpo todo ardia de dentro para fora, me despreguicei jogando as costas para trás, retornando para casa... lentamente.

Considerações:

— Um lanche?! — questionei um pouco assustado. Kira e eu talvez tivéssemos desenvolvido uma relação aluno-sensei mais rapidamente do que eu havia sido capaz de acompanhar ou entender, mesmo assim eu não conseguia deixar de estranhar o convite inesperado para uma refeição noturna. — Eu prefiro algo como uma janta, mas se for o que você gosta... pode ser. — respondia o homem, acendendo um cigarro e o tragando.

Ele havia me levado a um restaurante grande, bastante rústico. Parecia caro e o cheiro era impecável, havia uma churrasqueira enorme exposta e as mais diversas carnes estavam sendo preparadas nela, aromatizando o local, me deixando com água na boca. Kira apenas levantou a mão e um garçom rapidamente o atendeu, fazendo um monte de pedido um quanto esquisito. Ao me questionar o que queria, apenas pedi o simples, uma tigela de arroz com duas carnes de acompanhamento.

— Acredito que muito em breve você se formará como chunin... certo? Então eu pensei que podíamos aproveitar esse dia, descontraído, para eu lhe testar um pouco. — Kira deixava escapar um sorriso de alguém que tinha armado uma armadilha perfeita para que eu não pudesse me esquivar dos seus treinos atípicos.

O homem tirou do seu casaco o que parecia diversos cards — Eu pergunto. Você responde. 30 segundos no máximo. — as regras foram expostas rapidamente, como se Kira me obrigasse a raciocinar tão rápido quanto. — Qual a desvantagem elemental de Katon? — aquela pergunta estava fresca em minha cabeça, mas na hora era como se ela tivesse desaparecido dela. — Fuuton! — respondi, percebendo que estava prendendo a respiração enquanto pensava.

— Resolva. Você está cercado por três ninjas inimigos, cada um deles está em uma direção diferente. Os três vão atacar junto, você só tem uma direção livre, mas ela o deixaria de costa para os três. O que você faz? — perguntou, lendo o segundo card.

Durante sua pergunta, a resposta foi se formando em minha cabeça, como quebra-cabeça que aos poucos foi se preenchendo. — Eu não correria deles. Eu escolheria um, de preferência o mais próximo, e o atacaria enquanto ele tentasse me atacar. Dessa forma eu o surpreenderia e conseguiria quebrar a formação deles. — conclui, me sentindo um gênio.

Mais um card foi retirado — Kumogakure está sendo atacada, você está de frente a um inimigo, mas enquanto batalha, outro inimigo tentará atacar o hospital, onde sua mãe se mantém internada. Caso você ignore o inimigo atual, ele será capaz de avançar até o gabinete do Raikage. O que você faria? — imaginei a cena, acreditando que a resposta estava óbvia em minha cabeça. — Eu protegeria o gabinete. Eu amo minha mãe... mas é meu dever. — respondi, sentindo, que minha resposta não soava tão sincera.

Kira suspirou. — Garoto... você acabou de deixar um inimigo explodir todos os enfermos de Kumo, os médicos, enfermeiros... para proteger o Raikage?! Você realmente acha que o Raikage pode ser protegido por você?! — Kira parecia incrédulo com a resposta, decepcionado até. Eu me sentia estupido, mentir tentando acertar tinha soado tão burro quanto. O jogo continuou, por cerca de mais três perguntas, até a chegada dos amontoados de pratos que Kira havia pedido.

No fim, eu apenas havia acertado a primeira delas, a desvantagem de Katon, mas podia sentir o pouco realista da razão e a emoção daquele jogo, era como se quanto mais eu tentasse racionalizar uma situação, menos eu conseguia chegar a uma resposta correta. Kira chamou aquilo de intuito ninja, algo que um ninja sempre desenvolverá mais e mais durante suas missões e deveres. Outro dia, o jogo haveria de ser repetido, e dessa vez eu estaria mais preparado para ele.

Considerações:

Já se passaram dois dias desde a minha chegada de volta a Kumogakure. O único motivo de eu saber os dias é pela luz do sol que invade meu quarto toda manhã e me abandona com a chegada da noite. Keitaro saiu em uma missão e isso só foi mais um sentimento em meio aos turbilhões de pensamentos que gritam em minha cabeça. Eu não comi nada nesses dois dias, mesmo assim ainda não sinto fome, é confuso e perturbador entender que talvez a pessoa que eu mais amo no mundo mentiu para mim a vida inteira, me negando não apenas a verdade sobre minha origem, mas também sobre minha própria família.

Hoje, no entanto, decidi que não passaria o terceiro dia na cama, me levantando cedo como de habitual, tomando um longo banho e comendo a primeira coisa que encontrasse em meu armário. Eu podia visitar Hina, mas algo em meu peito negava essa vontade, era como se eu não quisesse encarar seu estado no momento, além do fato de que as palavras de Kira repetiam em ciclo na minha cabeça, e com o tempo ganhavam sentido, o que me fazia se sentir um verdadeiro lixo.

Me isolei nos arredores do vilarejo, um lugar pacífico para que a única coisa audível fosse o som da natureza e meus pensamentos, que eu esperava silenciar em breve. Um pequeno riacho passava a frente, e por mais que mergulhar fosse um erro, não pensei duas vezes de me jogar na água fria. O choque do frio moveu meu corpo de forma inesperada, era como se o frio fosse capaz de acalmar meus nervos e direcionar meus pensamentos exclusivamente a ele.

Me retirei do mergulho e novamente saltei ao riacho, mas dessa vez manejando uma quantidade de chakra para que me permitisse andar sobre as águas. Eu gostava de treinamentos em meio a água, a analogia mais básica e comum que eu tinha em minha cabeça era que a água era como um rio, um fluxo constante, as vezes de correntezas calmas, as vezes de correntezas intensas.

Flui o chakra através do meu, deixando-o se esvair através das águas do rio, eu não era capaz de controlá-las, mas o que tentava era apenas redirecionar a direção da correnteza, a contrariando. O chakra foi se esvaindo ao meu comando e então, vinham novamente em minha direção, por mais que não fosse capaz de retornar diretamente as minhas reservas, ainda era capaz de atrair as pequenas correntes de água para a minha direção.

Não era o suficiente, aquilo sequer parecia um treinamento, tinha ocorrido de forma prática e rápida. Era difícil, sem algum guia ou conhecimento avançado, eu estava tentando superar meus limites sem sequer conhecê-los. Estendi minha mão, encarnando-a, tentando aos poucos fluir meu chakra através da minha corrente de chakra, mentalizando uma pequena chama de chakra. Aquilo provinha das memórias do treinamento da técnica de rank C que anteriormente havia dominado, lembro de que a minha maior dificuldade era na moldagem da técnica e na concentração da quantidade de chakra aplicada nela.

A chama aos poucos começou a se formar acima da minha palma, uma pequena fagulha que aos poucos foi recebendo uma maior quantidade de chakra. Enquanto a quantidade de chakra inserida aumentava, mais se fazia necessário estabilizar o controle da chama. Aos poucos a chama foi crescendo, ganhando maior massa, por um tempo tudo parecia sobre controle, mas, em um deslize, todo o chakra do meu corpo oscilou, a chama cresceu-se assustadoramente, e o chakra em meus pés se esvaiu com a falta de controle, de um segundo para o outro eu estava novamente afundado nas águas frias daquela correnteza.

Sai novamente da água, sentindo a brisa fria queimar minha pele junto ao frio da água. Recuperei o fôlego perdido pelo frio, retornando meu andar sobre as águas. Fechei os olhos e tentei me concentrar nos sons locais, mas logo meus pensamentos retornaram, ainda mais alto do que antes, como se invadissem cada parte da minha mente. Respirei fundo, focando principalmente no som da correnteza das águas, assimilando aquele som ao fluxo do meu próprio chakra, aquela imagem aos poucos foi o suficiente para novamente apaziguar minha cabeça.

A chama surgiu novamente acima da palma de minha mão. Aos poucos fui injetando maiores quantidade de chakra, mas além de manter o controle, me desafiei a uma técnica ainda mais complexa, moldando a forma do chakra em diferentes formas. A chama foi crescendo, transmutando-se primeiramente em um quadrado, um quanto estranho e imperfeito, mas quando a segunda leva de chakra foi inserida a nova formada assumida agora foi a de uma redoma, descontrolada, mas fluída, como havia de ser. Mais uma quantidade de chakra foi injetada, dessa vez a chama retornou a palma, de tamanho maior que minha própria mão.

Naquele ponto, novamente senti como se meus pontos de chakra falhassem, mas reconhecendo o momento, rapidamente injetei mais chakra em todo meu fluxo, mantendo-me estável enquanto a chama crescia mais uma vez. Por mais que tivesse me mantido, senti uma fraqueza incomum no meu corpo, como se estivesse esvaziado minhas reservas naquele treinamento, caminhei até a borda, me jogando pelo chão, aproveitando para descansar.

Considerações:

Por um longo tempo preservei a minha rotina de forma imutável, mantendo-a sempre que possível. No entanto, a revelação de Kira havia mudado tudo, já algum tempo que eu não visitava os aposentos de Hina, o que me fazia se sentir um lixo, mas ao mesmo tempo me mantinha minimamente consciente de que aquela culpa não deveria recair somente sobre meus ombros, ela havia escolhido mentir e com sua inteligência ela sabia que quando a verdade surgisse, eu não a aceitaria tão bem.

Em minha nova rotina, ocupava meus pensamentos com uma rotina intensiva e constante de treinamentos, deixando apenas a saudade de Keitaro recair sobre minha mente. Eu também havia encontrado uma localização um pouco afastada de Kumogakure, preferia me manter escondido à vista de Kira, se ele já havia me vigiado anteriormente, poderia voltar a repetir o ato a qualquer momento.

Hoje eu estava explorando alguns livros, buscando entender mais a fundo em relação as naturezas de chakra. Em minha recente descoberta, eu tinha entendido que um ninja talentoso era capaz de dominar cerca de três naturezas de chakra, podendo até mesmo se especializar em uma delas, potencializando suas habilidades a níveis extraordinários.

Por mais que eu sentisse um certo interesse em alguns elementos, aquela decisão não era tão fácil de se tomar, principalmente quando havia explorado tão pouco do meu próprio elemento, o fogo. Enquanto passava as páginas, concentrava meu fluxo de chakra por toda extensão do meu corpo, liberando uma pequena camada de calor para me aquecer do frio.

Observando meu próprio feito, larguei os livros por um momento, tentando me desafiar. Eu conhecia meu elemento com uma certa afinidade, ele havia nascido comigo e eu apenas tinha o despertado, mas como eu poderia explorá-lo? Inicialmente busquei ao meu bastão, essa era a forma mais avançada que eu havia o usado, preenchendo cada extensão da arma com uma chama ardente, capaz até mesmo de estender-se.

Agora, como tinha feito alguns segundos atrás, conseguia revestir meu próprio corpo, aumentando levemente a temperatura dele, diminuindo o frio. Além disso, havia a bola de fogo que eu havia aprendido e algumas técnicas mais comuns. Mas o que mais eu podia fazer?

Coloquei as palmas da mão uma de frente a outra, como se elas se espelhassem. Fechei os olhos e busquei imaginar o que seria uma pequena bola de fogo concentrada. Notei que minha tentativa, pelo menos inicialmente, começava a funcionar, sentindo o calor da chama próximo as palmas. Abri os olhos, observando apenas uma chama comum, pouco controlada. Respirei fundo, parte do desenvolvimento do chakra era manter um ritmo e uma mente limpa.

Injetei uma quantia maior de chakra na esfera que tentava criar, aumentando o tamanho da chama, mas manipulando aquela quantidade de chakra em uma forma rotativa, tentando rotacionar aquela chama além de apenas expandi-la. A pequena chama aos poucos foi ganhando forma, tornando-se uma pequena bola — de gude — de fogo concentrado.

Imaginei uma forma de desenvolver ainda mais minhas habilidades, mas o simples ato de manter aquela pequena esfera já era uma prática um pouco quanto complicada. Foi então, que imaginei expandi-la, mas não de forma concentrada, mas sim em tamanho puro. Ergui minhas mãos, e aos poucos fui depositando meu chakra em meio a esfera, moldando-o para que ela expandisse e ainda mantivesse sua forma original.

No primeiro momento a dificuldade era tamanha quanto a de um estudante aprendendo seu primeiro jutsu, mas aos poucos foi se tornando uma tarefa mais leve — pelo menos era o que eu pensava — quando notei a esfera aos poucos já estava próxima ao tamanho de uma bola comum, o que parecia normal, mas ao notar, minhas reservas de chakra pareciam sugadas por aquele pequeno feito, como se não houvesse maneiras de continuar a expandi-la.

Cautelosamente, sentei-me no chão, trazendo novamente as palmas uma de frente para outra, dessa vez com a esfera separando as duas. Se não podia expandi-la, tentaria mantê-la o máximo de tempo que conseguisse. Aquilo, por mais que não gostasse de admitir, era algo que havia aprendido com Kira, testar os próprios limites para buscar superá-los, essa era a forma como ele me treinava e mesmo em pouco tempo, era como eu tinha me acostumado.

Admito, quanto mais me concentrava para manter a esfera, mais meus pensamentos eram invadidos, por memórias que agora sequer pareciam reais, por vontades e desejos ao pensar em Keitaro, por paranoias que sempre me levavam a um local de traído e traidor. Tantos pensamentos atrapalhavam-me constantemente e era notável as diversas vezes que a esfera perdeu forças. Mesmo assim, contornava todas as vezes, mantendo-a em troca do seu tamanho.

De pouco em pouco, a esfera retornou a sua forma original, mas para isso a manhã e a tarde foram-se embora, deixando apenas aquela pequena esfera de fogo iluminando a noite junto a fraca luz da lua. Diferentemente de tantas outras vezes, por mais cansado que eu estivesse, aquele treino não havia me imobilizado ao ponto de que eu não fosse capaz de retornar aos meus aposentos com facilidade, mas até que eu chegasse neles, mantive a esfera, durante todo o percurso, chamando, em alguns pontos, atenções indesejadas e curiosas. Em casa, finalmente repousei, recuperando minhas energias.

Considerações: